Eu por inteiro.
De repente deixei de escrever em metáforas. É sabido que
escrever sempre me ajudou a processar e entender o turbilhão de sentimentos e
emoções que nunca soube perceber natural e normalmente. E sempre usei
metáforas, porque dizer nomes era difícil, e falar de sítios que eram tão
demasiadamente meus era impensável. E, de repente, já não sei escrever com
metáforas. Passei a ser a preto e branco? Ou cresci?
Quer dizer, não preciso de crescer para deixar de usar
metáforas. Ou não é preciso deixar de usar metáforas para crescer.
Já não estou a fazer sentido e é mais ou menos isso que se
passa. Ou então, de repente, tudo faz sentido. E eu é que me escondia nas metáforas
e nas histórias com personagens inventadas, mas sentimentos verdadeiros.
De repente já não há epidemias de moscas para mostrar o amor, nem uma cama que fala da minha pequenez em relação ao turbilhão de complexos pensamentos que voam pela cabeça de outros. De repente há um sonho, que já não é um sonho, mas que ao mesmo tempo se transforma num maior. E há um mundo tão maior, e tão mais assustador e entusiasmante ao mesmo tempo. E há responsabilidades e uma quantidade enorme de palavras novas.
E de repente escrevo eu. Não uma pseudo-eu. De repente sinto-me confiante o suficiente para escrever na primeira pessoa e falar de mim como eu, não como uma qualquer aura, que distribui o que sente pelas várias personagens de uma história. E apesar de assustador - ser eu pela primeira vez, total e transparentemente eu, no papel - é, também, libertador.
De repente apercebo-me que não sei escrever qualquer coisa, mas que o que escrevo pode ser bom. E que o que eu tinha como algo que podia fazer, se calhar é aquilo que eu tenho de fazer porque é aquilo que eu quero fazer.
As altas expectativas (culpa minha, bem sei) sempre toldaram essa perceção do que eu QUERO fazer. A ideia sempre foi "o que eu podia fazer" e efetivamente eu sempre pude fazer tudo. E agora, ao 7.851º dia da minha vida, finalmente percebo o que quero. O que efetivamente quero. Sem metáforas, sem rodeios, sem personagens.
De repente - e finalmente - sou eu, toda eu, transparentemente eu, sem metáforas eu, cheia de vontades e sonhos eu. E sou eu, num mundo adulto, a ser adulta e criança ao mesmo tempo. Mas eu. Não uma versão inferior de mim. Sou eu. Feliz e completa eu.
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